Artigo

O devoto, o fanático e o jagunço

Por Sergio Cruz Lima - [email protected]

A Guerra do Contestado, de 1912 a 1916, é um episódio complexo, alimentado por múltiplos fatores que se enlaçam entre si, como a miséria social, o messianismo, o curandeirismo, a guerra convencional, as táticas de guerrilhas e o puro banditismo.

Em 1904, o Supremo Tribunal Federal reconhece que o território contestado pertence aos catarinenses. Mas o governo estadual não toma qualquer iniciativa de ocupação. A área permanece no abandono e registra repetidas escaramuças policiais entre os dois estados-federados vizinhos. Como parte do pagamento do trecho catarinense da Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande, construído no período 1907/1910, pela Brazil Railway Company, a empresa recebe uma doação de seis mil quilômetros quadrados de terras, cobertas com mais de 15 milhões de árvores em "idade de corte". Para explorá-las, a empresa instala, na cidade de Três Barras, a maior serraria da América Latina, e passa a expulsar, à força, os posseiros ocupantes das terras. Expulsos da terra, aos posseiros - agora "sem terra" - juntam-se duas outras categorias de desafortunados sociais, os desempregados da Brazil Railway Company e os agregados-sem-trabalho das fazendas da região. E uma verdadeira legião de excluídos encontra no curandeiro José Maria, que se diz monge, a tábua de salvação. Agrupa-se em redutos que, apesar da organização militar, tem como norma a vida comunitária, em harmonia com Deus, nas "rezas", três vezes ao dia.


Os governos de Santa Catarina e do Paraná, assim como o governo federal, enxergam nestes redutos uma repetição de Canudos e, consequentemente, uma ameaça monarquista à República e à paz social. Tropas militares são enviadas; combates são travados com extrema violência. A violência dos combates e o extermínio imposto pela força das armas faz com que o caboclo perca a esperança de dias melhores. Liderados por conhecidos fora-da-lei, a região mergulha no mais puro banditismo. E a selvageria impera de parte a parte. O fim da Guerra do Contestado é um desastre. Ela findou como termina a noite: sem tratados, sem acordos, sem ata de rendição. Ela simplesmente extinguiu-se. Sem vencidos; sem vencedores. Tanto sofrimento não gerou benefícios para os excluídos de 1912, que continuam em igual condição, quatro anos depois.

Que estranha trindade! O devoto, o fanático, o jagunço. Um não é o outro; mas os três são o mesmo. O devoto do monge José Maria diz que vai para o Céu com as suas orações, sem precisar das missas do frei Rogério. O fanático do monge José Maria tem a certeza de que vai alcançar o Paraíso, roubado pela República, quando a região do planalto catarinense se tiver transformado em um único "quadro santo". O jagunço, em armas, desata sua violência para acabar com a violência do outro. Como assim? Mistério feroz que a minha Teologia, a Sociologia do outro e a Psicologia de todos nós jamais escreverão a boa resposta.

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